ALÉXIA SOUSA E NICOLA PAMPLONA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
A decisão da 42ª Vara Criminal da capital que embasou a Operação Contenção, deflagrada nesta terça-feira (28) pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, descreve uma estrutura hierárquica e armada do Comando Vermelho no Complexo da Penha e em comunidades próximas, com uso sistemático de tortura, controle armado de moradores e expansão violenta do tráfico em áreas dominadas por milícias.
O documento, assinado pelo juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanço, decreta a prisão preventiva de mais de 60 suspeitos, entre eles Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, apontado como principal liderança da facção no Rio, e Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala. A decisão cita ainda como integrantes da cúpula Carlos da Costa Neves (Gardenal), Washington César Braga da Silva (Grandão ou Síndico da Penha) e Juan Breno Malta Ramos Rodrigues (BMW). A reportagem não conseguiu localizar as defesas.
Segundo a decisão, a ação penal tem como base o inquérito da DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes), aberto a partir de uma denúncia anônima recebida em janeiro de 2024, que relatava uma reunião de chefes do Comando Vermelho na Penha para planejar a expansão territorial da facção.
As mensagens e vídeos coletados mostraram o funcionamento interno da organização, com divisão de tarefas entre líderes, gerentes do tráfico, operadores financeiros e soldados armados. O material inclui ordens sobre plantões armados, transporte de drogas, monitoramento de viaturas e punições a moradores considerados desobedientes.
“Os elementos de convicção deixam revelar indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos crimes de tortura e associação para o tráfico de drogas, praticados com emprego de arma de fogo e envolvendo adolescentes”, escreveu o magistrado.
As interceptações telefônicas indicam que Doca determinava “a dinâmica do tráfico de drogas no Complexo da Penha e comunidades adjacentes, inclusive sobre venda e guarda de drogas, armas de fogo de grosso calibre e contabilidade da facção criminosa”.
O Ministério Público afirma que ele contava com três homens de confiança: Pedro Paulo Guedes (Pedro Bala), Carlos da Costa Neves (Gardenal) e Washington César Braga da Silva (Grandão ou Síndico). Abaixo deles, atuava um grupo de gerentes e soldados armados, responsável por executar ordens, proteger bocas de fumo e garantir o controle territorial nas comunidades.
Gardenal, segundo a decisão, era chefe operacional e articulador da expansão violenta da facção em Jacarepaguá. Ele aparecia ostentando armas, carros de luxo e grandes quantias de dinheiro, e coordenava grupos de WhatsApp usados para definir escalas de segurança e repassar ordens.
Grandão era o gerente geral do tráfico na Penha, com atribuição de controlar pagamentos e turnos de soldados armados. A decisão também cita contato direto entre Grandão e um oficial da PM, que teria pedido ajuda para recuperar um carro roubado.
BMW, apontado como chefe de um grupo chamado “Grupo Sombra”, aparece como líder de uma equipe armada encarregada de torturar, punir e executar moradores ou rivais, além de treinar novos integrantes para uso de fuzis e armas de guerra. O grupo, diz a investigação, seria integrado por matadores a serviço do CV para atuar na expansão territorial da facção pela região da grande Jacarepaguá, na zona oeste do Rio.
O documento cita vídeos e conversas interceptadas que indicam uma rotina de abusos e punições violentas. Um dos registros mostra Aldenir Martins do Monte Júnior sendo amarrado, amordaçado e arrastado por um carro, enquanto implora por perdão. Ele menciona o nome “BMW” várias vezes antes de morrer. Segundo o juiz, Juan Breno (BMW) aparece “fazendo piada do sofrimento da vítima”.
Outro trecho descreve o acusado Fagner Campos Marinho (Bafo) torturando um homem ensanguentado e amarrado, perguntando se ele “quer morrer logo”. A vítima, segundo o magistrado, parece “aceitar a execução como forma de interromper o sofrimento”.
O Ministério Público afirma que as conversas demonstram o uso da tortura como instrumento de dominação e intimidação nas comunidades controladas pela facção.
O documento cita 48 pessoas que seriam “soldados do tráfico”, que teriam a função de proteger as operações; e uma mulher é identificada como “olheira”, responsável por monitorar a área controlada pela organização.
Ao justificar as prisões preventivas, o juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanço afirmou que parte dos investigados possui “vasto histórico de infrações em sua vida pregressa”, com passagens pela polícia e condenações com trânsito em julgado.
“É pueril imaginar que uma vida criminosa, como resta indiciado ser a dos acusados acima mencionados, cessará como que por encanto. Não é isso que a realidade demonstra”, escreveu o magistrado, ao destacar o risco de reiteração delitiva.
Mesmo os investigados sem antecedentes, segundo o juiz, foram flagrados “em pontos de venda de drogas, portando armas de grosso calibre, rádio comunicador, dinheiro e material entorpecente, evidenciando que suas liberdades colocariam em risco a ordem pública”.
O juiz entendeu que as provas reunidas demonstram “a estabilidade e permanência da organização criminosa”, atuante em ao menos 12 comunidades da zona norte do Rio. Por fim, determina a prisão preventiva de 51 acusados. Para outros 17, determinou medidas cautelares diferentes da prisão. O governo não divulgou quais dos citados de fato foram presos na operação, nem identificou os mortos.







